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 -  Atualizado 04/10/2017

A ditadura da mala pequena

Publicado por: Silvia Oliveira Crônicas

mala pequena

Não tem muito arranjo técnico ou segredo místico. Para viajar sem despachar é preciso desapego. Observe, as pessoas que conseguem atravessar o oceano — e passar 15 dias do outro lado do mundo — com uma malinha de bordo são seres enxutos por natureza. Nem evoluídos nem descolados. Apenas renunciam aquilo que parece indispensável ao outro.

Nunca fiz (e não pretendo fazer) um post mostrando a montar mala pequena. Algumas dicas vêm a calhar, verdade. Faça rolinhos com as camisetas. Coloque as meias dentro dos calçados. Leve o casaco na mão. Use embalagem miniaturas para cremes e shampoo.  Deixe o secador em casa.

Já falei aqui, aqui e aqui de itens que considero essenciais na bagagem, mas se fosse para eu investir tempo no tema, abordaria essencialmente técnicas de libertação e desprendimento emocional.

Não adianta ensinar a fazer rolinhos com camisetas se você quer levar 14 blusinhas numa viagem de cinco dias. A essência não está na montagem ou no método de organização, mas na abnegação.

O desapego, veja bem, não é indiferença ao bem vestir. É a capacidade de abandonar o desnecessário. Quantas vezes você foi e voltou com um monte de badulaque que sequer chegou a usar? Acontece com todo mundo. Inclusive comigo.

— Ah, mas se eu precisar daquele vestido oncinha? Ou do sapato azul com laço branco?

— 18 pares de brincos são suficientes.

— Huuum, xaver… sete dias… sete calças, é isso!

— Mas eu sou homem, minhas coisas tomam espaço.

Men-ti-ra. Tenho um marido que até há bem pouco tempo se recusava a viajar somente com mala de mão. Pois ele ia e voltava com a bagagem cheia de camisetas, meias e cuecas s.e.m. usar.

Pode não parecer, mas quem viaja sem despachar nem sempre tem vocação para hippie. Meu objeto de contracultura é justamente a não imposição de regras. Criar uma ordem celestial para viajantes desapegados é o que eu não quero fazer aqui.

Quem parte somente com uma malinha de mão ou com uma mochila nas costas não é mais aventureiro, empreendedor ou ousado do que você. Nós apenas queremos tomar conta da viagem. E não o contrário.

Mala é um ser vivo mimado com genoma muito próprio. É um personagem autoritário e dominador. Invariavelmente causa suplício e tormento. A raiz do sofrimento é o apego — como bem dizia Buda. A bagagem que carregamos é a parábola mais bem contada da nossa vida.

Lembra a última vez que você teve que se sentar em cima dela para tentar fechar o zíper daquela bagaça? É necessário impor respeito. Já disse e repito: sua mala não pode ser mais empoderada do que você.

Por outro lado, a mala é sua. A viagem é sua. E sua história é com você. Não deixe que criminalizem ou até ridicularizem seu passeio só porque você chegou à casa da tia para passar o fim de semana com uma samsonite-conteiner de 25 quilos.

Tá, eu confesso que daria um sorrisinho no canto dos lábios. Mas imediatamente me lembraria daquela calça de couro que eu levei na minha primeira viagem à Europa numa mala acoplada a um carrinho de feira. São anos de treinamento e evolução, rapá!

Diga não à ditadura da mala. A imposição desta ou daquela forma de viajar gera um sentimento de frustração naqueles que pre-cis-am carregar o closet nas costas.

E digo mais: se tiver dificuldade de acomodar na bagagem aquele unicórnio que estava passando na sala BEM na hora que você arrumava a tralha, é só colocá-lo dentro de um saquinho plástico zipado. Se fecha, encaixa!

Levem o que quiser. Quem vai arcar com as consequências é você mesmo. Nós não temos nada a ver com isso. Ninguém é obrigado a passar por este sofrimento de escolha e triagem pessoal justamente nas férias se não faz este exercício diário na vida cotidiana.

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24 Comentários

  1. Jéssica Fernanda Silva

    Adorei o post, eu viajei 2 anos com mala de mão apenas, e o que me fez tomar essa decisão foi: chegando no destino não vou ter um milhão de coisas para carregar, não vou precisar me preocupar com a mala não chegar, e o principal mesmo: vou economizar nas passagens de avião entre destinos no meio da viagem. Fator importante: viajei no verão então minha roupas eram mais enxutas (e com isso consegui levar um secador de cabelo). Mas desapeguei de salto, de varios produtos de cabelo, da chapinha, de roupas que tinha a hipotese de usar UMA vez (tudo que eu só pensava em uma combinação ficou no Brasil). Não repeti mta coisa, lavei algumas no box do banheiro, mas deu tudo certo.

    responder
    • Silvia Oliveira

      Jéssica, eu nunca tive mala extraviada, mas meu maior medo e pavor sempre foi isso: tudo ir pelo ralo por causa de uma mala que nunca chegou! Sem contar que a liberdade de sair do avião e ir direto pro metrô ou táxi, sem ter que ficar na agonia da espera na esteira. E mais: o exercício da mala enxuta faz a gente melhorar o consumismo no dia a dia. Passamos a realmente perceber o que importa ou não. Sobre compras durante a viagem: não faço. Não quero acúmulo. Quando muito trago uma echarpe, uma azeite, um chocolate importado, meus imãs de geladeira. Até porque o patrimônio que a gente busca nenhuma moeda pode comprar! Bjs!

      responder
      • Oi Silvia,
        Eu já tive mala extraviada, roubada e detonada. Mas o principal motivo de amar viajar com mala enxuta ( inclusive é o nome do meu blog), é todo um estilo de vida enxuto que adotei há anos. Priorizar o essencial, o que importa virou minha bandeira, depois de me safar de um câncer e ter minha casa rapada. O exercício que você mencionou, aplico diariamente na vida e não só na hora de fazer a mala.
        Bj!

        responder
        • Silvia Oliveira

          É isso, Fernanda! O desapego da mala começa na vida! Bjs!

          responder
  2. Magda

    Silvia, você mexeu comigo. rsrsrsrs Eu realmente não consigo viajar com mala pequena e de fato isso reflete muito o meu modo de vida. Tenho (e compro) muita roupa, sapato, só óculos de sol tenho sete e quero levar todos! rs Ao viajar é aquele perrengue, quero levar tudo, acho que vou sentir falar de alguma peça de estimação, levo vários pares de sapato… kkkkkk Mas ao memso tempo que eu me sinto “leve” em levar tudo porque lá não sentirei falta de nada, me sinto muito incomodada com o peso da tralha. Inclusive porque tenho que gastar mais com táxi, uber porque não dá para levar meu “container” no metrô. Seu texto veio bem a calhar, preciso e quero rever isso!

    responder
  3. Renata

    Depois de uma viagem traumática carregando uma samsonite-conteiner pelas escadas do metrô de Paris e pontes de Veneza, decidi que seria “leve”. A próxima viagem seria pra um lugar quente, então levei apenas 1 casaquinho e 1 par de tênis (que foram no corpo pra não ocupar lugar na mala). Sim, o lugar era muito quente, mas toda loja e restaurante tinha ar condicionado, e usei muito o casaquinho que no meio da viagem estava fedendo, lavei no banheiro do hotel e não secou, é claro, passei frio nos ambientes fechados durante esse dia que resultou num resfriado… e o tênis branquinho foi batizado por uma pessoa que derrubou um copo de café nele, tive que lavar e usar ele molhado naquele dia, tristeza! Não viajo mais com a samsonite-conteiner, mas tb não vou mais só com a mala de mão. Com o tempo vamos adquirindo experiência e conhecendo o nosso perfil.

    responder
    • Silvia Oliveira

      Hahaha! Desculpe, eu ri. Gezuis, que falta de sorte! 🙂 🙂 🙂 Mas acho que é por aí mesmo, encontrar o equilíbrio que não cause sofrimento.

      responder
  4. Layla

    Esse texto reflete tudo o que eu penso.. da VIDA! Parabéns!!

    responder
    • Silvia Oliveira

      As viagens, o modo como viajamos… refletem muito nosso estilo e jeito de encarar as coisas. 😉

      responder
  5. Exatamente. Autoconhecimento acima de tudo. A gente viaja pra ficar bem e o ideal é imprimir este bem-estar no cotidiano e levá-lo ao nosso destino. levando-o numa bagagem leve, de preferência. beijos, Silvia!

    responder
    • Silvia Oliveira

      Exatamente! 🙂

      responder
  6. Brenda Costa

    Bem oportuno este post. Parabéns pela iniciativa. Beijinhos

    responder
    • Silvia Oliveira

      Obrigada! 😉

      responder
  7. Barbara

    Maravilhoso artigo, meu filho tem 10 anos e quer levar tudo, mas tudo mesmo que ele vai passando e olhando, só que quando chegamos ele começa a se envolver no novo ambiente e nem liga pra nada que levou.

    responder
  8. Acho que o que diferencia o turista do viajante antes mesmo de embarcar, é a mala e o que se leva nela.

    Aproveita e confere meu blog: http://www.podaestrada.com

    responder
  9. Tudo o que eu tenho cabe numa mochila de 60l. Sem exagero nenhum! Precisar mesmo, a gente precisa de tão pouco! E o que falta sempre tem como dar um jeito.
    O mal de hoje é que existe muito apego pelo material…. Eu adorei o ponto tocado pelo post! Beijo.

    responder
    • Silvia Oliveira

      Desapego é o tema! 🙂

      responder
  10. Ainda não viajei depois das novas normas de despacho de malas, mas acho que vamos precisar reduzir o tamanho das malas e suas dicas sobre malas pequenas é essencial.

    responder
  11. Vou ficar de olho na esposa com essas novas regras. Se deixar ela leva a casa inteira junto!

    responder
  12. Geovana Melo

    Olá Sílvia,

    Acho que isso se aplica muito para nômades viajantes.

    Eu que amo comprar horrores, não me conformaria com isso.

    Mas respeito, claro a maneira de quem não gosta.

    Bjs

    responder
  13. Um ótimo artigo adorei muito !!

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  14. Adorei o post, muito divertido, leve e totalmente real. Fico horas fazendo a minha mala, quando acabo estou exausta rs. Sempre levo um pouco mais coisas do que preciso, mas
    sou assim na vida, não sou consumista eu gosto de variar, de ter as coisas combinando, bonitinho rs, então faço o mesmo nas minhas viagens. Procuro combinações pra cada dia. Em viagens longas acaba sendo até mais fácil, pois a reutilização é maior. Mas as viagens de fim de semana, aí complica, é um estilo por dia rs.

    responder

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