A alegoria da desculpa esfarrapada
Tragédias coletivas me paralisam. Escutar o desespero das mães de filhos viciados me faz chorar. Ler sobre violência doméstica me desmonta. Crianças abusadas? Passo três dias com insônia.
A reflexão aqui não é sobre a tragédia em si, esse gênero do teatro que envolve a moralidade, questiona a existência humana e que, quase sempre, termina com a morte ou do personagem principal ou de algum parente querido.
Especulo neste parágrafo sobre a capacidade que temos de, perante fatos tão estarrecedores — ser resilientes ou tão elásticos quanto o conceito de mala de mão para superar o insuperável. Ponto.
Pode não parecer — e eu não gosto mesmo de parecer — fico sem rumo diante da fragilidade humana. Mesmo assim eu não desisto. Tenho vocação para ser feliz.
Gosto de comemorar minhas pequenas conquistas, de compartilhar só notícias boas, de escrever — veja só, sobre essa bobagem que é viajar!
É disso de que trata esse texto. Do talento que a gente deve ter de seguir adiante com os nossos propósitos (profissionais, espirituais, acadêmicos ou materiais), apesar de tudo e, sobretudo, sendo bombardeado diariamente com as dores do mundo — seja no Rio Grande do Sul ou na Síria!
Entendo. É natural que o inconsciente coletivo nos coloque em depressão grupal.
Passado o impacto inicial ajudo quase sempre — dentro do que cabe e da maneira que posso. Sou daquelas que depositam dinheiro em conta para reconstruir país devastado por terremoto (mesmo sem saber ou quase acreditando que aquilo nunca chegará ao lugar devido), mando escova de dente para desabrigado em enchente, pago férias e 13º salário pra moça que vem uma vez por semana limpar minha casa.
E isso não me faz sentir melhor. Isso é o mínimo — mínimo, repito — que posso esperar de mim mesma.
Quem experimenta a perda, a violência ou o terror de perto não só pode como deve vivenciar o luto, a angústia, o desgosto. Nós, aqui do outro lado da TV, podemos chorar. É legítimo. Escolha a forma mais conveniente para você de apoiar a causa ou extravasar sua consternação e empatia.
Só não encontre na dor do outro a desculpa de que você precisava para não seguir em frente. Não justifique seu desânimo desmoralizando quem não é igual a você.
Deixe de reclamar, simplesmente! Por que não rezar? Orar, se você preferir. Por certo, não estou falando de religião. Mas de espiritualidade, aquela disposição de querer, com certeza e confiança, que a vida do outro melhore, apesar da sua!
(É o que vamos continuar fazendo aqui… apesar de tudo, e sobretudo.)
Posts relacionados
10 coisas que você não sabia sobre a Matraca
Sílvia Oliveira, a moça do tempo
Por favor, deixem o turista em paz!
O que se aprende com uma viagem
perfeito! entendi o que vc quis dizer e penso da mesma forma.
Falou tudo!! entendo, concordo e compartilho para que outros amigos leiam e compartilhem. Abraços.
Obrigada, precisava ouvir isso. Seguir, cada um fazendo sua parte, apesar de tudo e sobretudo.
Gostei. meus sentimentos aos familiares. E que alguém possa ainda colorir o cinza que paira sobre nós! Grande abraço!
Como diria meu pequeno sobrinho, meu pimpolho querido: falou e disse!! Você disse tdo, muito do eu penso tb! Desde sábado vivemos um momento único, de estarrecimento frente a fragilidade humana. Hoje pela manhã escrevi no twitter, talvez muitos não tenham entendido, mas há por aqui um “constrangimento no ar”. Talvez por estarmos vivos, talvez por sermos silentes frente a tantas coisas no dia-a-dia e que acabamos por permitir acontecimentos como esses…. saber, nessa hora o simples barulho dos helicopteros trazendo frágeis sobreviventes nos deixa com um nó na garganta (e foram muitos os voos e são muitos os sobreviventes em estado gravissimo), talvez vá além do que muitos estejam preparados para entender. Há um silêncio, uma tristeza.
Não perdi ninguém próximo, uma pessoa que conheço foi das primeiras a deixar o local, ilesa. Mas minha cidade perdeu quatro pessoas, meu Estado perdeu tantos e tantos jovens e nosso país perdeu 231 vidas e um pouco da alegria.
Quando corro ao guarda-roupas e ao supermercado a cada enchente, meus amigos perguntam do que adianta, se sempre descobrimos depois os desvios e desmandos?? A isso respondo: fiz minha parte de coração aberto e tenho esperanças de que existam outras tantas pessoas fazendo a sua parte, em sua área, e que todos superemos em muito aqueles que burlam a ética em beneficio próprio.
Foi maravilhoso ler o que escreveste nesse dia, veio como um alento para tantas “bobagens” ditas e repetidas!! Parabéns querida, como sempre mandando muito bem!
Abraços,
Paula
Eu gosto do que e de como você escreve, mas dessa vez pude ver sua alma minha amiga. Excelente reflexão, Não direi muito, mas pensarei bastante sobre o que disse. Um beijo.
Eu me senti nesse estado de tristeza profunda, desejando muito estar lá pra ajudar, e assim fiquei, meio anestesiada também, até hoje! Não perdi ninguém próximo, mas de duas cidades queridas sim, tomei as dores por muitas horas até perceber que o melhor é simplesmente seguir e ajudar com o que estiver ao alcance! Enviar energia positiva para quem enfrenta a dor e o sofrimento na pele e para os profissionais que lá estão, dando tudo de si pra minimizar a tristeza daquelas familias!
Foi muito bom ler tuas palavras! Se mais!
Derramei uma lágrima ao ler isso. mas fico com a certeza que tenho que ir adiante, sorrindo, apertando a mão de quem precisa, dando um abraço a quem necessita. Muito lindo, e principalemente corajoso seu texto!
É mesmo nossa obrigação seguir em frente, em nome dos que não podem mais viver o que nos foi legado, fazer ainda melhor, porque diante de tanta dor somos privilegiados, temos uma vida e temos um presente e um futuro para honrá-la, amá-la, fazê-la melhor para nós e para os que amamos. Um beijo, silvinha, todos fomos atingidos e todos temos de caminhar, você está certíssima.
Disse tudo, obrigada !!!
Gostei do que escreveu.
Sempre sábias e sensíveis suas palavras, Silvia.
Penso que tanta dor tem um propósito: deveríamos seguir o exemplo do povo americano neste caso, nos envolver nos projetos de mudança regulamentação para o funcionamento de casas noturnas. Se deixarmos só por conta dos governantes não vai funcionar. Mas nossa cultura aqui no Brasil não é essa. Temo que essa dor, profunda para alguns, fique só na superfície para a maioria.
Lindo texto. Compartilho!
Por assim pensar, eu gostaria de saber quem “encaixotou” a boate, bloqueando as janelas? Conselhos de classe não deveriam ser questionados também?
É dificel mesmo seguir em frente. Mas concordo, muitos se aproveitam da letargia do sofrimento alheio para justificar suas “alegorias esfarrapadas”. Bola pra frente, quem fica precisa de nós.